Almerindo
Martins de Castro
"O dia de Finados” não tem
origem em ensinamentos dos Espíritos. Derivou da festa católico–romana de 1º de
novembro – "Dia de todos os Santos".
Quando da destruição dos templos
pagãos, em Roma, um entre todos foi poupado, porque constituía obra–prima de
arquitetura e riqueza. Construído por Marco Agripa, denominava-se – Panteão e
nele, a 1º de novembro, era celebrada, pelos pagãos, com excessos, a
"festa de todos os deuses". O Papa Bonifácio IV obteve-o, por doação
do Imperador Focas e fê-lo purificar, recolhendo a ele os tesouros e despojos
mortais das catacumbas dos cristãos e consagrou-o a Santa Maria dos Mártires.
Nesse templo (que estivera fechado durante dois séculos) Gregório IV, em 835,
instituiu em antítese, a "festa de todos os santos", em homenagem aos
santos que não tinham culto em dia destacado no calendário, universalizada
depois para todo o orbe católico. Mas, para que não ficassem esquecidos ante
Deus os fiéis da Igreja e os pecadores, foi estabelecido que no dia seguinte, 2
de novembro, se fizessem no templo orações em intenção desses mortos.
Só em 998, dez séculos
depois do Cristo, o Abade da Ordem dos Beneditinos, em Cluny, instituiu, em
todos os mosteiros da Ordem, na França, a "comemoração dos mortos", o
"dia de finados", nesse 2 de novembro, culto que a Santa Sé aplaudiu
e oficializou para todo o Ocidente. Assim foi o mundo profano levado a cultuar
os seus mortos (outrora enterrados nas igrejas e em "campo santo") num
dia determinado, quiçá na ingênua, ilusória esperança de que os Espíritos
desencarnados fruiriam venturas celestiais, recebendo, nas covas das
necrópoles, as flores e as luzes das velas, que, não raro, exalam hipocrisia e
iluminam as trevas das maldades e rancores de quem as acende. O tempo decerto
conseguirá esculpir nos corações o ensinamento dos mestres da espiritualidade,
fazendo com que as criaturas regressem à sincera e modesta maneira de encarar e
reverenciar o nascimento e o decesso dos seres na face da Terra, práticas desvirtuadas
pelas deturpações dos interessados e dos ignorantes. Os antigos tinham intuição
ou ensinamentos bem mais aproximados do verdadeiro modo de interpretar o
sentido da vida e da morte dos seres humanos.
Heródoto (o denominado – Pai da
História) diz que, na Trácia remota (território cujas fronteiras estão
hodiernamente diluídas numa das províncias da Turquia), o nascimento de uma
criança reunia a família em torno do berço para, por entre lágrimas e tristeza,
lamentar as provações a que viera o recém-nascido; enquanto que o falecimento
de um ente querido era saudado jubilosamente, na antevisão de que o Espírito
liberto iria fruir as venturas e galardões do Além.
O Espiritismo contemporâneo veio
encontrar o automatismo dos costumes e estipulações seitistas,
consuetudinárias, que obscurecem de algum modo o lídimo sentido espiritual da
vida e da morte; mas, suavemente, sem contundir a sinceridade dos que ainda não
evoluíram para a integral espiritualidade, irá encaminhando as Almas para a
verdadeira comunhão com os chamados mortos.
Não está nos cemitérios o mundo
dos Espíritos. Ali apenas podem permanecer transitoriamente os cegos
desesperados, cujo passamento não os pôde desligar da matéria em decomposição.
Fora dali, no indefinível templo do nosso coração é onde devemos orar pela paz
e pelo esclarecimento dos Espíritos liberados do corpo. Mas, principalmente,
pelos sofredores.
Os Espíritos de Luz, aqueles que
misericordiosamente, ajudam os grilhetas da Terra, descem pela escada
espiritual das nossas preces, dos nossos pensamentos de abnegada solidariedade
com os chagados da alma, que gemem nos ergástulos da dor e do remorso, com os
surdos e cegos, que ainda não ouviram, nem lobrigaram as harmonias iluminadas
da Verdade que as "vozes do silêncio" entoam para glória de Deus e
bênção dos arrependimentos. Em cada dia da existência, nas horas de
recolhimento, oremos pelos tristes, pelos abandonados que, na desolada noite de
sua provação, não conheceram amor, carinho, consolo, bálsamo para as suas dores
de alma.
Deixemos os cemitérios onde se
dissociam as moléculas da carcaça humana, e pensemos no Mundo do Alto, de onde
tudo vem para a Terra e aonde sobem, de regresso, as refrações de todos os
diferentes mundos dispersos no Infinito.
Espiritualizemos os estágios da existência
terrena, mantendo o recôndito do nosso ser em ressonância com o mundo
espiritual de amanhã, vivendo em harmonia com os imperativos naturais da
matéria, conservando, porém, o Espírito alertado para a devida obediência às
leis que regem, nas trajetórias das vidas sucessivas.
Ante a morte do corpo, não nos
impressionemos com o fogo-fátuo, que é luz da matéria e que não pode ficar
dentro da cova; busquemos o santelmo, Luz do Alto, que se acende no cimo dos
mastaréus, na vastidão dos mares, com as fosforescências que têm contato nas
rutilâncias das claridades celestiais.
Não façamos treva onde a vida se
ilumina; não choremos ante o corpo inerte, porque o Espírito se está movendo no
júbilo da libertação. Os espíritas não podem esquecer o simbólico ensinamento
do Mestre: “... deixai que os mortos
enterrem seus mortos" (Mateus, 8:22).
A comemoração que,
rotineiramente, se celebra, a dois de novembro, deve ser substituída pela
permanente comemoração dos - vivos verdadeiros - porque a noite da morte do
corpo é a alvorada esplêndida do Espírito, despido da negra libré do cárcere,
imergindo nas suaves, eternas claridades da aurora redentora...
Texto retirado do Reformador - novembro /1999,
transcrito do número de novembro de 1950
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